Um funil que afunila: tautologias gestantes.
“Uma frase em cada linha um golpe de exercício” – Ana Cristina César
Incisões: não se trata de preencher o vazio. É preciso evidenciá-lo. Abrir espaço de trânsito entre o que já configurou-se a o que ainda não sabe como esboçar-se. Da marca e da sombra, surge a linha. Afunila-se em uma única forma viável de nos fazer perceber o detalhe. Corte e risco. Múltiplas incertezas voluntárias em movimentos plenos de cadência própria. Sem inibição. Com autonomia. As profundezas do negro buscam, no fim de todo gesto, algo de luz que possa desembocar em cor: azuis, amarelos, vermelhos, fúcsias, calipsos de piscina e pavão. Quando se atinge a qualidade de desabituar-se das viseiras impostas por um cotidiano apressado, vastas passagens se abrem para que as linhas configurem as marcas essenciais: alegorias aramadas, abandonos tautológicos, como um desenho que desenha, como uma mancha que marca, como o desígnio que deseja modelando a forma funil. Duas destas formas, quando justapostas verticalmente, trazem a imagem de uma ampulheta, onde a vida em grãos escorre aos poucos, trazendo da produção depurada de Cris Rocha, os seus golpes de exercício. Hoje, o que a artista apresenta é um trabalho constituído por valores de linhas que ora escapam solitárias, em intervalos, em espaçamentos, em interstícios, ora reúnem-se em planos de pigmento intenso: tudo como vazios em gestação.
Elida Tessler – 2004